Membro da Comissão Especial de Direito do Trânsito da OAB/RS
O governo federal encaminhou, recentemente, o Projeto de Lei nº 3.267/2019 que altera diferentes dispositivos da Lei nº 9.503/97 que institui o Código de Trânsito Brasileiro.
A nosso ver, dentre as propostas de alterações apresentadas, merecem destaque e particular análise: a) o aumento da pontuação para fins de instauração do Processo de Suspensão do Direito de Dirigir por Pontos; b) a substituição da penalidade pecuniária, por advertência, para o caso de não utilização do equipamento de segurança (cadeirinha, assento de elevação) no transporte de crianças; c) a classificação como multa média para os casos de utilização de capacete sem viseira ou óculos de proteção ou com viseira e óculos de proteção em desacordo com a regulamentação do CONTRAN; d) a revogação da exigência de realização de exame toxicológico para obtenção de habilitação e renovação da CNH pelos condutores das categorias C, D e E (motoristas profissionais).
Relativamente ao Processo de Suspensão do Direito de Dirigir por Pontos, atualmente, referido procedimento administrativo é instaurado quanto confirmados 20 (vinte) pontos no prontuário do condutor no período de 12 (doze) meses.
Pela proposta constante do Projeto de Lei apresentado, o Processo de Suspensão do Direito de Dirigir por Pontuação exigiria a confirmação de 40 (quarenta) pontos no prontuário do condutor, nesse mesmo período de 12 (doze) meses.
A justificativa apresentada no preâmbulo do referido Projeto de Lei, para implemento de tal alteração, de forma sucinta, é proteger, especialmente, os condutores que exercem a atividade de motoristas profissionais, visto que a habilitação é seu instrumento de trabalho, sendo ressaltada a facilidade pela qual se pode atingir a pontuação atual (20 - vinte pontos), bem como a existência de previsão no atual CTB da possibilidade de suspensão do direito de dirigir por infração, sem a necessidade de pontuação, naquelas condutas em que o risco de acidente de trânsito é maior .
Em que pese o respeito ao referido posicionamento, nos parece que o incremento da pontuação, por si só, constitui medida equivocada.
Não obstante entendermos por legítimo o argumento quanto à necessidade de proteção do direito de dirigir de todos os cidadãos e, especialmente, daqueles que de tal direito fazem sua profissão e fonte de renda familiar, a nosso ver, não se mostra necessária a mudança na legislação existente. Bastaria, com o devido respeito às autoridades envolvidas, exigir-se o estrito cumprimento da atual legislação pelos órgãos de trânsito competentes, responsáveis pelos processos de suspensão.
Explica-se: quando instaurado um processo de suspensão, o condutor não tem o seu direito de dirigir suspenso imediatamente, sendo-lhe oportunizada a apresentação de defesa e recursos a diferentes órgãos de trânsito.
O órgão julgador (DETRAN/CETRAN), por imposição legal e constitucional, deveria, ao analisar a defesa/recursos, apreciar efetivamente as particularidades de cada caso concreto, verificando o tipo de infrações que ensejaram a instauração do processo de suspensão, bem como valorar o seu histórico de multas e conduta no trânsito.
Lamentavelmente, grande parte dos julgamentos das chamadas “JARIS – JUNTAS ADMINISTRATIVAS DE RECURSOS”, se restringem a verificar a regularidade formal do processo, não realizando qualquer análise do caso concreto, dos fatos e fundamentos declinados na defesa e recurso, nem mesmo avaliando o prontuário do condutor.
Assim, por exemplo, aquele condutor que possui 5 (cinco) infrações por ultrapassar pela contramão e/ou avançar o sinal vermelho, receberá a mesma penalidade que aquele condutor que comete 5 (cinco) infrações por estacionamento irregular, não obstante a notória diferença quanto à gravidade das condutas infracionais.
Reitere-se, o problema não está no número de pontos. O problema está no critério, ou melhor, na falta de critério, dos órgãos administrativos que, em grande parte dos casos, ignoram o caso concreto.
A justificativa declinada, ainda que possa parecer uma medida de proteção para os condutores, para a sociedade como um todo autoriza ao contumaz infrator o cometimento de infrações sem qualquer preocupação com o prontuário.
Destaque-se, por exemplo, que um condutor poderia cometer, no período de 1(um) ano, 5 (cinco) multas por avançar o sinal vermelho e/ou ultrapassar pela contramão. E ainda ficaria com um “crédito”, para cometer alguma infração de 4 (quatro) pontos para completar 39 (trinta e nove) pontos e, assim mesmo, não teria instaurado contra si o processo de suspensão.
Ainda, mostra-se oportuno destacar que existe uma série de infrações no Código de Trânsito Brasileiro que, embora de natureza notoriamente grave, não ensejam a instauração de processo de suspensão, como, por exemplo, avançar o sinal vermelho e ultrapassar pela contramão; ou seja, apenas são computadas para fins de pontuação e, assim, eventualmente, podem embasar um processo de suspensão por pontuação. Talvez, tais situações possam ser apreciadas na oportuna e salutar discussão que ora será travada no Congresso por ocasião da apreciação do Projeto de Lei em questão.
Com tais breves e modestas considerações, entendemos que o aumento do número de pontos para instauração do processo de suspensão constitui um equívoco que, acaso aprovado, infelizmente contribuirá para o aumento do número de acidentes e mortes no trânsito.
Outra não é a nossa percepção, no que tange à proposta de penalização por mera advertência, para o caso de não utilização do equipamento de segurança (cadeirinha, assento de elevação) no transporte de crianças.
Embora acertada a medida de previsão da infração em pauta no bojo da Lei n. 9.503/97, visto que não compete ao órgão administrativo instituir infrações, como recentemente reconhecido pela Suprema Corte (ADI 2998), a não previsão de penalidade pecuniária, nos parece, ser medida que autorizará um retrocesso na perspectiva de termos um trânsito mais seguro.
Inegavelmente a conscientização deve ser a primeira medida de todas as esferas governamentais para obtenção de um trânsito seguro. Entretanto, infelizmente, vivemos numa sociedade em que a conscientização ainda necessita de um “estímulo”, o qual, em situações como da infração por não utilizar equipamento de segurança somente vem mediante a “ameaça” de uma penalidade pecuniária significativa.
Ademais, não se pode esquecer que a proteção à criança é um dever não só da família, mas de todos, inclusive do Poder Público, sendo que o uso obrigatório dos equipamentos de segurança no seu transporte, nada mais são que medidas concretas no atendimento a tal dever. Inclusive, estudos mostram a eficácia dos dispositivos de segurança em questão que, por vezes, não apenas diminuem os danos sofridos, como evitam o próprio perecimento da vida da criança.
Evidentemente, ressaltamos a necessidade de os agentes de trânsito, sempre que se depararem com tais situações, primarem pela conscientização e orientação dos responsáveis, visto que, como já destacado esta é a primazia da atividade de fiscalização do trânsito.
Relativamente à proposta de inclusão e classificação como multa de natureza média para os casos de utilização de capacete sem viseira ou óculos de proteção ou com viseira e óculos de proteção em desacordo com a regulamentação do CONTRAN, temos que se trata de medida oportuna e que atende a um critério de razoabilidade, o qual deveria pautar toda a atuação do Administrador.
Como bem declinado na justificativa que acompanha o Projeto de Lei em questão, a “redação atual do aludido dispositivo tem gerado controvérsias quanto à irregularidade cometida no uso do capacete, assunto disciplinado somente em regulamentação do CONTRAN”. Assim sendo, a sua previsão e explicitação na Lei confere maior segurança jurídica aos condutores, bem como aos próprios agentes e autoridades de trânsito, por ocasião da autuação e julgamento das situações em pauta.
Reitere-se, não se trata de abrandar o não uso do capacete, mas sim de dar tratamento distinto a situações (infrações) distintas e de acordo com a sua gravidade e risco que possam importar ao trânsito e à coletividade.
Por sua vez, no que pertine à revogação da exigência de realização de exame toxicológico para obtenção de habilitação e renovação da CNH pelos condutores das categorias C, D e E (motoristas profissionais), a nosso ver, embora não se rechace sua importância, entendemos que, por si só, referido procedimento não alcança o propósito a que se destina – conferir maior segurança ao trânsito.
Temos que o exame toxicológico, além do seu significativo valor pecuniário imposto aos candidatos à habilitação das categorias acima referidas, apenas afere a condição daqueles no momento, período mais próximo à obtenção da habilitação e renovação da CNH.
Nessa perspectiva, sem qualquer pretensão de desprestigiar o exame toxicológico e seu alcance, entendemos que se mostraria medida mais efetiva na busca de assegurarmos um trânsito mais seguro, a implementação de políticas de fiscalização rotineiras com o uso do equipamento denominado “drogômetro”. A utilização deste equipamento inibiria, na nossa opinião, de modo ainda mais efetivo, o uso de qualquer tipo de drogas pelos condutores, especialmente os profissionais, a exemplo do que ocorre com o etilômetro e o uso do álcool.
Por fim, embora apenas destacados alguns pontos do projeto de lei, vemos que este versa sobre temas sensíveis a toda sociedade, o que exigirá do Congresso uma apreciação profunda
e técnica de seu alcance, do que esperamos resultar um avanço legislativo na matéria, com o afastamento de situações discrepantes e injustas no tratamento aos condutores, sempre prestigiando a segurança no trânsito e a toda a coletividade.
*Os conceitos e informações contidos no texto são de inteira responsabilidade do(s) autor(es).